A VENDA
“Menino,
corre! Vai lá na venda ajudar seu pai!” Assim era o chamado que ecoava até o
fundo do quintal. Deixava o que estava fazendo, brincando com carrinhos feitos
com sabugos, lavava as mãos e apressado ia atender os fregueses na venda de meu
pai. De parafusos ao pão que o Jovito levava todo dia cedinho em sua perua
surrada; de fumo de corda à vara de pescar; de pacotes de arroz à corda de sisal;
de Leite de Rosas aos gibis da banquinha improvisada trazidos lá da Tabacaria
do Zé Colher (gibis que pegávamos escondido para ler debaixo dos pés de
mexerica nos fundos de casa que fez despertar meu gosto pela leitura). Ali
tinha quase de tudo. Meu pai tentava abastecer as necessidades da população
local. Das doses de cachaça, das tacadas de sinuca, dos mantimentos vendidos, meu
pai criou sua família. O empório ainda tinha uma máquina de sorvete em que os
filhos homens aprenderam a arte de preparar gostosas massas geladas e picolés
diferentes. Minha mãe, com a ajuda das irmãs tão unidas, ainda preparava
saborosos bolos (com os quais arriscávamos fazer exóticos sanduíches com
mortadela), enrolados de salsicha e outras delícias que somente aquelas mãos de
fada sabiam arranjar, com receitas inventadas e guardadas na cabeça.
Seis
filhos, colocados para ser alguém na vida. Dali, construímos as bases de nossas
personalidades, solidificamos os pilares que sustentariam nossas vidas futuras
e que lapidaram o caráter de cada um. Não se admitia outra coisa a não ser que
tivéssemos dignidade, respeito pelas pessoas e muita responsabilidade. Os seis
filhos passaram pelos balcões da venda da esquina da praça. E, entre as idas e
vindas da casa para a venda - que eram geminadas, aprendemos a ser gente
melhor, convivendo com os sábios e os bêbados (alguns mais sábios que muitos
sóbrios), aprendendo a fazer conta de cabeça, a pensar rápido, a dar valor a
cada centavo e a cada pessoa que por ali passava. Louvo a Deus por todos
que ali passaram, permitindo que meu pai sustentasse sua família.
A venda teve
suas portas cerradas. Para nós, ainda é um templo. Ao longo dos anos foi diminuindo
de tamanho, cedeu lugar a outros comércios com as divisões do prédio, mas é a
certeza de vidas que ainda têm muita história para contar. A venda mora dentro
de nós e retorna nas saudades de ontem, nos encontros do hoje e nas incertezas
do amanhã. Não vai acabar tão cedo.
É isso aí!
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