JARDIM DE FLORES ÚNICAS

10:43 José Luiz 0 Comments

“Quando a coisa estiver muito ruim, para um pouco, conversa com Deus e volta pra luta.” Assim, meu pai começou uma conversa agradável em um início de noite, com uma trilha de barulho de chuva ao fundo. Enquanto os pingos tamborilavam sobre as telhas, ele, em meio aos lapsos de memória, discorria sobre tempos idos e suas severas dificuldades para conseguir manter a família, estudar os filhos, dar conta dos negócios, do comércio, das barganhas, das “gambiras”. Tocou serraria, foi agricultor, pedreiro e, por último, fincou raízes no comércio com uma venda que oferecia de tudo, inclusive muita gratidão pelos fregueses que garantiam o sustento da família.

Meu pai é destes homens simples, de parcos anos de escolaridade, mas uma sabedoria que muitos doutores não acumulam, pois esta advém do olhar, do espírito evoluído, que faz enxergar vieses que os livros sozinhos não conseguem ofertar. Quero, mesmo que ele permaneça trêmulo e com a memória instável, usufruir deste tempo que ainda temos. Que eu consiga fazer este tempo, pois tudo é muito breve, muito fugaz. Daqui a pouco, pode não dar mais tempo.

Nestas conversas, vou descobrindo coisas que nunca soube, detalhes de episódios vividos por eles, meu pai e minha mãe, que guardaram para não afligir ou levar sofrimento aos filhos. Agora, com a liberdade que só é dada aos anciãos, vai desfolhando um livro cheio de boas histórias. E, seguindo o conselho dele, quando tudo parecer perdido, vou tentando me recolher, para reorganizar as forças, conversar com Deus, e, se possível, refazer a história. Caso necessário, começar de novo, se não houver mais saída.

Ele, meu pai, nunca se entregou. De um jeito meio rude, impaciente, foi rompendo as estradas íngremes de uma vida dura e eu, como coadjuvante neste enredo, posso afirmar com convicção que se tornou um vencedor, um homem que combateu o bom combate, que guardou a fé, que não esmoreceu, nem se amparou em desculpas que justificassem um eventual abandono de planos e sonhos. Aliou-se a uma nordestina amorosa e compassiva. Meia dúzia de filhos que se fizeram gente. O caminho foi penoso para um casal com uma trajetória forrada de espinhos, mas que conseguiu dispor ao mundo um jardim bonito de flores únicas. A forja se deu na labuta, no suor, à custa de muita entrega, mas que desencadeou em um desfecho que só os grandes conseguem escrever. Aqui dentro pulsa um coração grato e cheio de amor.

É isso aí!

 

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