CORAÇÃO
Todo dia acordava bem cedo. Tomava aquela golada boa de café e saia a esparramar esperança. Todos que o encontravam tinham dele o sorriso aberto, um “bom dia” ofertado com espantosa verdade e, para quem se dispusesse, um abraço arrochado. Tinha quem o chamava de tolo, tinha quem amava cruzar com ele pelos lugares aonde andava. Tinha aqueles que entendiam seu mister, havia aqueles, no entanto, que achavam que aquilo tinha muito de loucura ou falsidade. Difícil entender o que passa em corações menos petrificados. Trabalhava duro, não tinha vida fácil. Para poder fornecer um mínimo de conforto para os seus todo dia era dia, toda hora era hora. Debruçava-se no trabalho, melhor, nos trabalhos como quem ama tudo o que faz. Carregava consigo uma máxima: já que tinha de fazer, faria bem feito. Mas, carregava também certo cansaço por tanta correria, por tanta obrigação.
Até que um dia uma dor no peito o parou. Foi às pressas a um hospital público. Ali, recebeu o diagnóstico de que deveria reduzir os afazeres, diminuir o ritmo se quisesse viver um pouco mais, aproveitar um pouco do que ainda poderia vir. Foi um baque. Teria de desistir de algumas coisas que julgava primordiais. Em casa, todos teriam de se adaptar às novas condições. E assim foi feito.
Com os dias passando, com mais tempo para si, podendo ler mais, praticar atividades físicas, apreciar o por do sol, pequeninas coisas para as quais nunca tivera prazo, podendo usufruir um tempo que nunca teve, percebeu o que estava diante dos olhos e nunca quisera enxergar. Para fazer os outros felizes é preciso estar bem, inteiro, satisfeito em primeiro plano. Pensara tanto nos outros e tão pouco em si que os dias foram consumidos e o tempo fluiu por entre os dedos. O golpe sofrido fez com que vislumbrasse uma vida, talvez com menos recursos financeiros, com mais qualidade, com mais presença, com mais prazer. O segredo de tudo é que para ser feliz de verdade a alegria do outro é fundamental, porém com o coração bem cuidado, pois não há alegria que vigore na morte. A família e os amigos o queriam vivo. Cuidou de si, cuidou dos outros.
É isso aí!
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